sábado, 21 de março de 2015

RECREIO: Brincar do que quiser ou do que for possível ?

POR TELMA SCOTT*
Extraído do livro “BRINCAR, um baú de possibilidades”, 2009.
Recreio, intervalo de aula ou hora de parque: independentemente do nome adotado, é o espaço de tempo previsto na rotina escolar para os alunos lancharem, brincarem e conversarem, normalmente sem o acompanhamento do professor, que, por sua vez, também aproveita para conversar e descansar. Em geral, alunos e professores passam o recreio em locais distintos: professores na sala dos professores e alunos na área externa da escola. Dessa forma, os professores não observam, não mediam nem imaginam o que ocorre nesse momento. Tal função cabe ao bedel, monitor ou inspetor de alunos.
Para a maioria dos alunos, o recreio é o momento mais aguardado durante o período em que estão na escola. É a hora do lazer, da livre escolha, de fazer o que se tiver vontade. Será? O recreio escolar possibilita a livre escolha ou determina e direciona a escolha?
Na verdade, a “livre escolha” do aluno é delimitada por algumas variáveis:
  • Tempo: qual a duração do recreio? O que é possível fazer nesse intervalo de tempo?
  • Espaço físico: a céu aberto? Coberto? Isso condiciona as escolhas às condições climáticas. Cimentado ou gramado? Emparedado ou arborizado? As possibilidades de escolha são influenciadas por essas características.
  • Organização do espaço: se o espaço é vazio, as opções dos alunos ficam entre vivências corporais que envolvem correr, perseguir, lutar, empurrar e, por vezes, terminam em conflitos. Vozes experientes diziam que “brincadeiras de mão não acabam bem!” Se no espaço há materiais, eles mediam as relações e estabelecem algumas regras. Por exemplo: se há uma bola, o jogo pode ser futebol e formam-se dois times, com uma meta estabelecida: fazer gol. Se há uma corda, uma dupla bate para uma ou mais crianças pularem. Tocou na corda dá a vez para outra criança.
  • Pessoas que interagem nesse espaço-tempo: o recreio é organizado por faixa etária? Todas as turmas podem interagir nesse momento? É possível escolher com quem brincar ou conversar? Irmãos podem ficar juntos? Como as crianças se relacionam nessa hora? Como elas se relacionam com os bedéis ou responsáveis pelo recreio?
Portanto, as possibilidades de escolha dos alunos no recreio são determinadas pela relação entre os fatores tempo, espaço, organização espacial e relações interpessoais.
Estudo de caso
Em uma assessoria prestada a uma escola do Estado de São Paulo, a equipe de direção e coordenação apontou a necessidade de reduzir o tempo de recreio das crianças (de 7 a 10 anos) de 20 minutos para 10 minutos, pois elas brigavam muito, ofendiam umas às outras (situações de bullying) e destruíam a escola. Após o recreio o chão do pátio ficava forrado de papéis de lanche e de balas; nos banheiros havia bolinhas de papel higiênico grudadas no teto (para quem não sabe, a técnica é bem simples: basta fazer a bolinha, molhar e arremessar no teto que gruda!), as portas eram quebradas, os trincos retirados. Ou seja, os alunos arrumavam o que fazer com as escassas alternativas que lhes estavam disponíveis.
Quando as alternativas para brincar são mais atraentes, ninguém vai “perder tempo” bagunçando o banheiro.
A equipe de assessoras questionou se as crianças tinham alternativas para brincar, o que rapidamente foi negado, pois, caso isso acontecesse, não tomariam o lanche. Com base nesse quadro, foi proposto aos coordenadores que repensassem possibilidades de brincadeiras para as crianças. Estes conversaram com os alunos sobre os desejos que tinham para esse momento. Com base nisso, foram disponibilizadas bolas, cordas, bambolês, mesa de pingue-pongue (raquete e bolinha), mais cestos de lixo foram espalhados pela área do pátio e ampliou-se o tempo de recreio de 20 para 30 minutos, sendo 10 para o lanche. A escola começou a ficar mais limpa e mais cuidada.
Alguns conflitos surgiram, todos relacionados a discussões acerca de regras de jogos que não eram respeitadas ou a disputas por materiais e por espaços de brincadeiras. Foi necessário organizar um rodízio das quadras e pátios, a fim de que todos pudessem usufruir das alternativas propostas. A mediação dos conflitos concentrava-se no aspecto educacional e não mais na supervisão das ações dos meninos e meninas que “destruíam” a escola. Os professores relataram às assessoras que, agora, os alunos voltavam cansados e suados do recreio, mas que conseguiam se concentrar mais rapidamente em comparação ao período em que não brincavam. As energias eram canalizadas para as brincadeiras e depois para a realização de propostas dirigidas de aprendizagem.
A intervenção realizada nessa escola possibilitou a reflexão por parte da equipe de coordenação e de professores acerca da necessidade de se oferecer escolhas para os alunos no recreio.
As escolas precisam entender o recreio como um tempo importante, que necessita ser planejado, no sentido de possibilitar escolhas diversificadas, experiências corporais e interpessoais, e condizentes com a faixa etária dos alunos. A brincadeira perdeu espaço em nossa sociedade e as escolas devem ficar atentas para garantir o direito de toda criança brincar. O recreio é, sem dúvida alguma, o intervalo de tempo em que ela pode fazer isso.
* Pedagoga, pós-graduada em Educação.

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